Enfermidades

Num rápido auto-diagnóstico a que me propus fazer,  identifiquei em mim algumas doenças do foro emocional. As mazelas de carácter físico e intelectual ficarão por descobrir noutras noites de enfado, evitando assim a ingestão de tudo de uma vez. Haveria a possibilidade de não aguentar…  

"Foi detectada na paciente a insuficiência de partilha verbal de emoções, sejam elas quais forem. Denota-se, no entanto, uma maior predisposição para partilhar os sentimentos negativos, como por exemplo a ira, a antipatia, a malevolência, entre outros. Talvez por uma necessidade  mais urgente de libertação de emoções nefastas do que de sensações benéficas. Em tais casos, a paciente consegue até confrontar os indivíduos que lhe causem esses sintomas numa tentativa de os aliviar, argumentando, gritando, esperneando, se bem que quase sempre ciente de um certo grau de justiça e bom senso. Já no que toca à divulgação oral de sentimentos mais positivos, como é o caso de amor (independentemente da categoria deste), generosidade, simpatia, alegria, a enferma revela-se incapaz de o fazer. Para além disso, mostra-se igualmente inapta a demonstrá-lo através da linguagem corporal, não conseguindo realizar gestos simples, espontâneos e comuns em certos humanos, como são os exemplos de beijos, abraços, etc. Predominam aqui o medo e o orgulho da paciente. Esta crê que se expõe demasiado ao mundo se tal o fizer, pondo a nu as suas fraquezas, ficando deste modo à mercê de quem quebre a sua confiança. Mesmo sabendo que poderia fortalecer a(s) pessoa(s) e relação(ões) que fosse(m)  alvo(s) da sua exposição sentimental positiva.   

Como consequência a doente tende a isolar-se da sociedade ou a agir de modo a que seja esquecida por esta, que entretanto desiste de a tentar compreender. Mesmo no seio de uma multidão (podendo esta ser constituída por amigos e família), ela age como se estivesse sozinha, passeando-se por outros mundos e histórias. O que leva agora a uma outra enfermidade verificada, a vivência excessiva numa ilusão auto-infligida, esta do grupo das doenças de carácter mental. Quando contrariada por algo que não corre bem, ela cria uma fantasia em que os acontecimentos se passam de acordo com a sua vontade. Consegue desenvolver vários mundos ilusórios em paralelo, que preenchem quase por completo a sua mente, e permanece neles por tempo indeterminado, saltando de uns para outros conforme lhe agrade. Entra num estado de sonambulismo ligeiro, que se manifesta para a sociedade como sendo um estado de apatia ou indiferença. Embora seja um sonambulismo leve, é necessário tomar as devidas precauções nos seus regressos momentâneos à realidade. A  adaptação brusca da sua mente à realidade, retendo as ilusões no subconsciente, poderá despoletar movimentos  tensos que poderão comprometer o ambiente envolvente.

As enfermidades, sucintamente descritas, podem ser atenuadas com tratamentos adequados, contudo nunca totalmente curadas. A doente demonstra, ainda assim, ter o conhecimento teórico dos tratamentos apropriados ao seu caso. Basta saber se sabe, ou mais importante, se quer, colocá-los em prática para que possa começar a viver."

Joy Division - Isolation

Os Magníficos 30

Pode parecer um pouco pretensioso falar nos magníficos 30, quando falta algum tempo para lá chegar. Os “malfadados” 30 nunca foram, para mim, um ser mitológico de inúmeras cabeças, embora seja o suficiente para provocar um ataque de pânico a muito boa gente. No entanto, não tendo ainda lá chegado (e nunca chegarei em termos de mentalidade, valha-me isso?), já sinto a pressão sobre os ombros, a tensão na nuca, implorando uma massagem (bem dada, se faz favor) para que essa sensação desapareça. Essa pressão não é novidade para ninguém, não é algo que eu possa registar como patente minha, que apenas eu senti e perante a qual a minha alma (e corpo também) foi posta em prova. Tantas outras vítimas, acabadas de iniciar a fase de jovem adulto, foram psicologicamente massacradas até cederem por completo e embarcarem no mesmo navio, cuja “viagem de bem” foi iniciada por alguém, algures, num determinado período de tempo longínquo. Cedência e obediência, do meu ponto de vista, não quero dizer que não tenha sido de livre arbítrio para muitas outras (mas que há uma grande influência comportamental, há! Poderia também falar-se em hipnose ou contágio, epidemia, à qual estou imune, pelo menos para já).

Esta fase da vida é aquela em que esperam que dês continuidade a, ou que concluas, um conjunto de tarefas de um determinado grau de responsabilidade cívica, necessárias para atingir os vários objectivos propostos pela sociedade. Sociedade esta, que se encontra em ânsia demente e profunda para te avaliar e aceitar como um igual. Ou não, se correr “mal” para os teus lados, e neste caso, vais encontrá-la armada até aos dentes para te julgar e matar morosamente (sou exímia em exageros). Em modo sucinto, passo a enumerar os objectivos propostos: emprego respeitável, estabilidade financeira, casamento e constituição de família, enriquecimento do património familiar, e claro, esperam que pagues os teus impostos a tempo e horas. Ora, tendo em conta os objectivos que referi, não estou, neste momento, a realizar quaisquer tarefas que me auxiliem no cumprimento das metas estabelecidas, o que faz de mim uma segregada da sociedade. E embora o diga com algum brio e emoção, não escapo aos olhares de esguelha ou de pena, indícios da pressão a que me irão submeter e que fazem parelha com as preces sussurradas pela salvação desta pobre alma (risos).

Iggy Pop - Real Wild Child 

Meu inimigo, o Tempo

Existem diversos tipos de inimigos. Os desconhecidos e que odeiam em silêncio, aqueles que mostram a cara e não receiam o confronto. Ainda há os que são invisíveis, trapaceiros e atacam de mansinho, cravando a sua cunha como um ferro em brasa, originando males maiores que os inimigos reais e palpáveis... Aquele que talvez se destaca nesta espécie é o tempo, cujo modo de ataque é simples e eficiente. O barulho irritante e constante do tiquetaque do ponteiro dos segundos é suficiente para que cause lesões mentais graves, em alguns casos irreversíveis. Ri-se maliciosamente, fazendo a contagem decrescente da vida que nos foi oferecida até que o último suspiro se dê, até que o coração pare de bater… Não existe suplício maior do que a audição deste som incomodativo, ecoando nos meandros do cérebro, sem se saber quando irá parar de vez. Será agora, amanhã, daqui a um ano, quanto mais terei eu de te suportar? Tique taque, tique taque, tique taque…



The Cure - Seventeen Seconds